jueves, 5 de julio de 2012

Declaração de amor às coisas

Fui apresentado esta semana a um texto do Galeano que ainda não conhecia.
Ah Galeano, esse monstro das palavras, da crítica e do sentimento!
Após alguns dias do famigerado Rio+20, colocam frente aos meus olhos o “porqué todavía no me compré un dvd”.

Ele nos conta nesta crônica sobre como sua geração aprendeu a guardar tudo, “¡¡¡Toooodo!!!” diz Eduardo, e de sua dificuldade por atualizar-se em um mundo onde o mesmo “todo” se tornou descartável, substituível por um novo modelo.

Começa assim: Lo que me pasa es que no consigo andar por el mundo tirando cosas y cambiándolas por el modelo siguiente sólo porque a alguien se le ocurre agregarle una función o achicarlo un poco.

Enquanto dava continuidade à leitura lembrei das diversas caixas, mochilas e armários que durante toda minha vida enchi com troços e trecos. Aos 12 anos tinha 2 caixas e uma grande sacola, todas cheias. Quando saí de casa e comecei a trilhar caminhos com meus próprios pés, juntei estes meus tesouros aos que havia adquirido durante minha adolescência e guardei, com muito cuidado, num armário na casa dos meus pais (que, espero, estão lá até hoje). Tudo era importante, porque tudo que estava guardado não eram só objetos! Todas as coisas e cada uma delas tinham e tem significado direto com pessoas e lugares. São as pessoas e lugares, minhas pessoas e meus lugares, significados em coisas!

Nos anos que se seguiram tive um grande problema com essa mania! É que durante períodos intermitentes, porém largos, dos nove anos que se passaram fiz a escolha por uma vida de caracol onde – por necessidade de mobilidade – me vi obrigado a carregar minha casa nas costas (mais especificamente dentro de uma mochila, sacolas e trouxas de pano).

Vocês podem imaginar como é difícil carregar “todo” o que você encontrou de importante pelo caminho em uma mochila de algumas dezenas de litros? Sinceramente, nem sei como consegui caminhar de volta para casa com tanto peso todas as vezes!
Lembro-me de algumas cholitas nos andes, que carregam todo o mundo em seus aguayos y bultos encaixados nas costas me olhando surpresas: un pobre flaquito, cargando mas de lo que puede!
Ou dos policiais de fronteira que se irritavam por ter que esperar o longo processo de abertura de cada compartimento de minha bagagens em busca de algo que lhes garanta um cafézinho, e então esperar o processo mais longo ainda de colocar tudo de volta… Diversa foram as vezes que pensei: tanta coisa jamais vai caber em tão pouco espaço!
Sempre couberam, de um jeito ou de outro… Sempre os carreguei!

O que por algum motivo tive de deixar para trás, foi com muito esforço e dor: Es que no es fácil para un pobre tipo al que educaron en el ‘guarde y guarde que alguna vez puede servir para algo’ pasarse al ‘compre y tire que ya se viene el modelo nuevo’, diz Galeano.
As coisas que perdi ou deixei no caminho, de nada adianta comprar uma nova!
Minhas coisas, meus trecos e troços, são minhas memórias! São a materialização do que passei, do que fui! Em conjunto, sem nenhuma ordem, hierarquia ou estrutura, formam o que sou…
Cada coisa que guardo é um sentimento que tenho em mim!
Todos os sentimentos que tenho em mim, e cada um deles, só couberam por que vocês – meus queridos e amados amigos – tiveram a delicadeza, o jeitinho ou a força para, em mim, encaixar.

Eduardo Galeano fez força para não comparar as coisas e as pessoas, o que são objetos e o que são valores…
Y me muerdo para no hacer un paralelo entre los valores que se desechan y los que preservábamos.
Ah¡ No lo voy a hacer!
Me muero por decir que hoy no sólo los electrodomésticos son desechables; que también el matrimonio y hasta la amistad es descartable.
Pero no cometeré la imprudencia de comparar objetos con personas.
Me muerdo para no hablar de la identidad que se va perdiendo, de la memoria colectiva que se va tirando, del pasado efímero. No lo voy a hacer.
No voy a mezclar los temas, no voy a decir que a lo perenne lo han vuelto caduco y a lo caduco lo hicieron perenne.
Pura ironia! Pois sabe bem este uruguaio que em tempos como os nossos, quem não tem cuidado pelas coisas, todas elas produzidas a custas da ação e criação humana assim como da transformação e muitas vezes destruição da natureza; quem acredita que um objeto é somente algo se possui uma funcionalidade, facilmente considera descartável tudo o que existe!

Semana passada perdi um relógio! Ainda não sei o que fazer com essa perda, com esse buraco que ficou em mim…

Mas esta perda me fez lembrar de todas as outras coisas que guardei até hoje, em quase vinte e oito anos.
Esta perda me fez escrever-lhes, meus queridos, meus amados, irmãos e irmãs, compañeros.
Só queria declarar-me… e agradecer!

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